Os cães
Machado
de Assis
- Mas, enfim, que pretendes fazer agora? perguntou-me Quincas Borba, indo pôr a
xícara vazia no parapeito de uma das janelas.
- Não sei; vou meter-me na Tijuca; fugir aos homens. Estou envergonhado,
aborrecido. Tantos sonhos, meu caro Borba, tantos sonhos, e não sou nada.
- Nada! interrompeu-me Quincas Borba com um gesto de indignação.
Para distrair-me, convidou-me a sair; saímos para os lados do Engenho Velho.
Íamos a pé, filosofando as coisas. Nunca me há de esquecer o benefício desse
passeio. A palavra daquele grande homem era o cordial da sabedoria. Disse-me
ele que eu não podia fugir ao combate; se me fechavam a tribuna, cumpria-me
abrir um jornal. Chegou a usar uma expressão menos elevada, mostrando assim que
a língua filosófica podia, uma ou outra vez, retemperar-se no calão do povo.
Funda um jornal, disse-me ele, e "desmancha toda esta igrejinha".
- Magnífica idéia! Vou fundar um jornal, vou escanchá-los, vou...
- Lutar. Podes escanchá-los ou não; o essencial é que lutes. Vida é luta. Vida
sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.
Daí a pouco demos com uma briga de cães; fato que aos olhos de um homem vulgar
não teria valor. Quincas Borba fez-me parar e observar os cães. Eram dois.
Notou que ao pé deles estava um osso, motivo da guerra, e não deixou de chamar
a minha atenção para a circunstância de que o osso não tinha carne. Um simples
osso nu. Os cães mordiam-se, rosnavam, com o furor nos olhos...Quincas Borba
meteu a bengala debaixo do braço, e parecia em êxtase.
- Que belo que isto é1 dizia ele de quando em quando.
Quis arrancar-me dali, mas não pude; ele estava arraigado ao chão, e só
continuou a andar, quando a briga cessou inteiramente, e um dos cães, mordido e
vencido, foi levar a sua fome a outra parte.
notei
que ficara sinceramente alegre, posto contivesse a alegria, segundo convinha a
um grande filósofo. Fez-me observar a beleza do espetáculo, relembrou o objeto
da luta, concluiu que os cães tinham fome; mas a privação do alimento era nada
para os efeitos gerais da filosofia. Nem deixou de recordar que em algumas
partes do globo o espetáculo é mais grandioso: as criaturas humanas é que
disputam aos cães os ossos e outros manjares menos apetecíveis; luta que se
complica muito, porque entra em ação a inteligência do homem, com todo o
acúmulo de sagacidade que lhe deram os séculos, etc.
ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 18. ed. São Paulo,
Ática, 1993.cap.CXLI,P.161-2.
1. Após o fracasso de
sua pretensão de ser ministro, qual a primeira reação de Brás Cubas?
a) desistir de vez da
carreira política
b) persistir com seu
propósito
c) querer retirar-se da
roda social que frequentava
d) vingar-se de seus
adversários políticos
2. O passeio com
Quincas Borba para Brás Cubas foi:
a)
entediante b)
intrigante c)
maléfico d) benéfico
3. Por que Brás Cubas
deveria abrir um jornal, na opinião de Quincas?
a) Porque ninguém
vive sem trabalho.
b) Porque era uma forma
de continuar lutando.
c) Porque era uma forma
dele esquecer a decepção na política.
d) Porque ele precisava
arranjar uma fonte de renda já que não conseguiu ser ministro.
4. De acordo com o
narrador do texto, que fato aos olhos de um homem vulgar não teria valor?
a) abrir um jornal.
b) assistir animais
disputando alimento
c) homens lutando
através da inteligência
d) ser derrotado nas
suas aspirações políticas
5. Para Quincas Borba,
lutar é:
a) Importante, pois nos
torna digno dos nossos sonhos.
b) Importante, apesar
de ser uma complicação para a inteligência humana.
c) Importante em si,
mesmo que o objeto da luta não signifique nada, pois o osso nem sequer tinha
carne.
d) Importante somente
quando temos um objeto a ser conquistado nesta luta; no caso o osso, que pode
ser alimento.
6. "...ele estava
arraigado ao chão..." o termo em destaque significa:
a)
próximo b)
caído c)
ajoelhado d) preso
gabarito: 1.c 2. d 3. b
4.b 5. c 6.d
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